Cheng Yucai podia olhar para trás, para os seus trinta e poucos anos, com satisfação. Filho de uma família rural de poucos recursos, deixou a escola ainda jovem adolescente e rumou à capital onde, após uma sucessão de empregos mal remunerados, foi contratado como um trabalhador qualificado no setor de ferramentas de máquinas, casou-se e formou uma família. Mas sua vida mudaria um dia em 2014, durante um almoço com um amigo que visitava Pequim.
No fim da refeição, o amigo em questão retirou do bolso uma antiga caixa de rapé russa e mostrou-a a Cheng, que ficou fascinado pelo magnífico padrão radial ondulante na tampa, cintilante por baixo de uma camada de esmalte azul. A impressão de profundidade e a forma como captava a luz era algo que Cheng nunca tinha visto antes.
Intrigado, quis saber mais. O seu amigo, um colecionador, explicou brevemente o guilloché, acrescentando que ninguém na China produzia este tipo de decoração. Por uma razão que ainda hoje não consegue explicar, a visão da caixa de rapé encheu Cheng de tal alegria, que decidiu embarcar numa busca que deixou amigos e família perplexos: aprender e dominar a arte do guilloché.
Cheng já tinha superado as adversidades da vida uma vez; não via razão para não ter sucesso no seu novo empreendimento para se tornar o primeiro mestre artesão de guilloché da China. Levando a esposa e os filhos consigo, deixou o seu emprego, e o ruído e a agitação de Pequim, para a província de Henan, no centro da China, onde encontrou a paz e a tranquilidade de que precisava, investindo quase todas as economias da família nesta nova obsessão.
Cheng precisava de um lugar para trabalhar. Algum lugar sem vibrações que pudessem fazer a sua mão deslizar nem que fosse um pouco. Um lugar onde pudesse trabalhar em silêncio absoluto, sem nada para o distrair do seu objetivo. Esse "lugar" seria uma caverna numa montanha próxima à cidade de Xinmi, que ele transformou num estúdio.
Alugou também uma casa nas proximidades para a sua família. A sua devoção ao guilloché era inteiramente pura. No entanto, os problemas começaram a acumular-se, começando pelo fato de Cheng não ter um torno e não conseguir encontrar instruções que lhe permitissem construir um. Mesmo na Suíça, estas máquinas - que já não são fabricadas - são quase impossíveis de encontrar.
Cheng empenhou-se em construir um torno segundo o seu próprio design, usando os materiais que tinha à disposição mas, após um ano de trabalho incessante, teve de enfrentar o facto de a sua máquina simplesmente não funcionar. Doze meses por nada, mas Cheng não se deixou desencorajar. Seguiram-se mais duas tentativas, mas nenhuma máquina produziu os resultados que esperava. Após dois anos, finalmente conseguiu construir uma máquina funcional, e depois várias outras. Graças a estas máquinas de linhas retas (estas últimas produzem apenas linhas horizontais e verticais), Cheng pode gravar mostradores de relógios com mais de mil padrões.
O seu sonho não é ter a sua própria marca, mas alcançar o mesmo nível de perícia de Comblémine ou Metalem, os mais destacados representantes do guilloché na Suíça. Quer também gerar um interesse mais amplo na profissão e, apesar da dificuldade em encontrar aprendizes que estejam dispostos a passar os seus dias em quase silêncio monástico, aprendendo uma arte complicada que exige a máxima concentração, está a treinar um pequeno número de artesãos de guilloché, além de ensinar numa escola local.
Fornece para o Atelier Wen. A marca, que foi criada por dois empresários franceses para mostrar a perícia chinesa na relojoaria, credita-o pelo nome pela sua contribuição para a sua coleção Perception. “Ao longo da nossa colaboração, a complexidade dos mostradores guilloché aumentou exponencialmente, das doze horas necessárias para um mostrador de champanhe até as 36 horas que leva para completar o guilloché num mostrador prateado,” insiste Robin Tallendier, co-fundador do Atelier Wen.
Tallendier está encantado por ter descoberto esta nova figura do artesanato chinês. Ele visitou recentemente o mestre em Xinmi, onde filmou um documentário mostrando-o a trabalhar. Tendo anteriormente laborado na sombra, a colaboração de Cheng com o Atelier Wen trouxe-lhe significativamente mais exposição. Mais do que tudo, espera que o caminho que está a traçar ajude futuras gerações de artesãos na China. Ele está, a parafrasear uma famosa manufatura, “a iniciar a sua própria tradição”!
Mais informação visite o site do Atelier Wen.
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