A Sotheby's apresentou no passado dia 14 de Maio no Mandarin Oriental de Genebra, uma impressionante coleção de relógios de bolso raros reunidos ao longo de 45 anos, incluindo uma variedade de peças que vão dos séculos XVI a XX. Composta por quase 100 relógios de excepcional interesse, feitos originalmente para diferentes mercados, da China ao Império Otomano, a coleção foi liderada por um raro relógio Breguet que se acredita ter sido feito para o sultão do Império Otomano. Um relógio fascinante e notável, o Breguet no. 1950 é um dos relógios mais importantes alguma vez produzidos para o mercado otomano e acabou por ser adquirido por 1.016.000 chf.
Fazendo recurso de um ébauche de terceira série, o relógio possui um movimento extraordinariamente compacto, mas também complexo; entre eles, os trens de batida e repetição controlam um total de cinco martelos e cinco gongos. A decoração da caixa foi executada exclusivamente para o mercado otomano e contrasta de forma dramática com outros relógios Breguet produzidos para os mercados europeu e russo.
Breguet no. 1950 vendido em 1808 @Sothebys
Conforme observado por Emmanuel Breguet no seu livro “Breguet, relojoeiros desde 1775”, o autor escreve: “a única liberdade real a que Breguet se permitia na decoração dos seus relógios dizia respeito àqueles que se enquadravam em duas categorias altamente específicas: relógios de tacto decorados com esmalte …e relógios turcos esmaltados” (ver ibid 2ª Edição, p. 373). Criada por um dos fabricantes de caixas mais ilustres da Breguet, Tavernier, a caixa é feita num estilo 'par', mas o mais fora do comum é a sua forma 'cabriolet'. Numa caixa cabriolet, para além de o relógio poder ser apresentado num formato aberto, ou com mostrador à vista, a caixa interna pode ainda ser invertida dentro da sua caixa externa de maneira a apresentar o fundo suntuosamente decorado da caixa interna. Tal é o nível de acabamento excepcional apresentado que, quando invertido dentro da sua caixa externa, a parte de trás da caixa interna encaixa-se de forma tão perfeita na luneta, que os dois elementos aparentam ser um só. Os otomanos usavam os seus relógios no exterior das suas roupas, o que significava que os seus elementos decorativos tinham uma importância ainda maior – de facto, o uso de caixas externas tinha a dupla função de permitir um nível adicional de proteção a estes relógios tão expostos.
Breguet no. 1950 @Sothebys
O comércio com o Império Otomano tornou-se cada vez mais importante para Breguet durante a primeira década do século 19, quando as guerras napoleónicas interromperam o comércio com três dos seus mercados mais importantes - primeiro a Grã-Bretanha (na sequência do Sistema Continental de Napoleão), seguido pela Espanha em 1808 e a Rússia em 1810. O principal canal de Breguet para as encomendas provenientes de importantes clientes otomanos era através do embaixador otomano em França, Esseid Ali Effendi, conhecido como Galib Effendi. Ali Effendi chegou a Paris em 1797 e foi apresentado à alta sociedade pelo diplomata francês Charles Maurice de Talleyrand-Périgord. Tendo sido devidamente apresentado a Breguet, as primeiras encomendas de Effendi foram um relógio de batidas com repetição de minutos e um relógio de caixa alta (ibid p. 246). Ali Effendi e Breguet acabaram por se tornar amigos e, após o regresso do primeiro à Turquia em 1802, continuaram a corresponder-se de forma regular. Effendi veio a ocupar cargos importantes na corte otomana, chegando mesmo ao cargo de Ministro da Marinha.
Breguet no. 1950 @Sothebys
Effendi foi claramente uma grande ajuda para Breguet, não só apresentando o relojoeiro a clientes importantes, mas também aconselhando-o sobre o estilo de peças e o tipo de decoração preferido pelos clientes Turcos - especialmente a sua preferência por mostradores de esmalte branco com algarismos turcos e caixas ornamentadas decoradas com esmaltes, principalmente em vermelho. Foi também por intermédio de Effendi que Breguet foi apresentado a um relojoeiro local, Stephanaki, por meio de quem Breguet viria a conduzir muitos negócios (ibid, p. 246). Effendi encomendou dez relógios de repetição e, em 1804, solicitou especificamente a Breguet um relógio de repetição da melhor qualidade para o próprio imperador otomano, Selim III; o imperador ficou claramente satisfeito com o relógio, uma vez que, no ano seguinte, solicitou um segundo relógio idêntico (ibid. pp. 248-249). Os arquivos de Breguet indicam que a construção deste relógio começou em 1806 e terminou em 1807. Um anterior proprietário do presente relógio afirmou que, segundo a tradição familiar, este teria sido oferecido ao seu antepassado pelo sultão Abdulaziz (reinado de 1861-1876), filho de Mahmud II (reinado 1808-1839). Certamente, a decoração opulenta da caixa, assim como a excepcional qualidade do movimento estariam à altura sultão otomano. Tendo iniciado o seu reinado em 1789, Selim III seria deposto e preso em 1807 o que torna plausível o relógio ter sido de facto encomendado pelo sultão, e que, após ter sido entregue a Effendi a 6 de maio de 1808, o mesmo tenha sido oferecido ao seu sucessor , Mahmud II.
Breguet no. 1950 @Sothebys
Um relógio semelhante, mas menos complicado, com repetição de quartos em vez de repetição de minutos, foi mais tarde vendido a Ali Effendi, no mesmo ano do actual relógio (nº 2090 vendido a 16 de setembro de 1808 por 3.360 francos). Este último relógio tinha também caixa de par 'cabriolet', mas apresentava um bordo liso na luneta da caixa externa, em vez da luneta recortada e mais elaborada do presente modelo. Curiosamente, o interior da caixa externa do nº. 2090 apresenta a gravação “Hadji Assim Effendi”, sugerindo possivelmente que o relógio estaria à guarda do próprio Effendi, ou em alternativa, que servisse servir como forma de recordar a generosidade de Ali Effendi para com o seu destinatário. O Breguet no. 2090 encontra-se ilustrado na obra de Emmanuel Breguet, Breguet, Watchmakers Since 1775, 2nd Edition, p.249 e de George Daniels, The Art of Breguet, 1975, p. 207, fl. 201 d.C.
Breguet no. 1950 @Sothebys
Curiosamente, os franceses viriam a oferecer a Mahmud II um Sympathique de execução especial, o no. 758, e cujo o custo de 35.000 francos, representou uma quantia extraordinária para a época. Mahmud ficou encantado com a oferta, que lhe foi apresentada em 1813, tendo posteriormente convocado Leroy (Leroy era o agente de Breguet em Constantinopla desde 1811), presenteando-o e colocando-o na chefia da manutenção dos relógios do palácio de Topkapi.
Breguet no. 1950 @Sothebys
Descrição
Abraham-Louis Breguet
Um importante relógio cabriolet em ouro e esmalte com grande e pequena sonnerie, repetição independente de minutos e cinco martelos para cinco gongos, feito para o mercado otomano. Vendido a 6 de maio de 1808 a Sua Excelência o Embaixador Otomano Galib Effendi, no. 1950
Mecanismo: platina completa acetinada e dourada de 17''' com base em ébauche de terceira série, escape de cilindro de rubi, dois tambores para corda e batidas, três trens de engrenagens, balanço simples de três braços, suspensão de “pára-quedas”, mola espiral, mecanismo de relógio parcialmente visível à platina traseira, cinco martelos em aço polido e cinco gongos em aço azulado, assinado e numerado Breguet, no. 1950
Mostrador: em esmalte branco, algarismos turcos, anel externo dos minutos, ponteiros Breguet em aço azulado, assinado Breguet et Fils às 6, assinatura secreta às 12 assinado e numerado Breguet, no. 1950
Caixas:
Caixa interna - ouro, verso centrado com esmalte vermelho translúcido sobre guilloché sunburst, realçado por paillons em forma de folhas de palmeira, roseta ao centro, bisel dianteiro e traseiro decorados com cachos de uvas e paillons em folha de parreira, Repetição acionada por 1/4 de volta do pistão, bisel interno assinado e numerado Breguet No. 1950 no verso com marcas de controle francesas para 1798-1809, marca do fabricante da caixa PBT dentro de uma cartela em forma de losango para Pierre-Benjamin Tavernier, carimbado B para Breguet e numerado 1950/2563, cuvete de ouro articulada, aberturas para corda do movimentos e batidas, aberturas adicionais no bordo para selecionar grande/petite sonnerie e strike/silence, assinado Breguet, no. 1950 •
caixa exterior - ouro, fundo cem esmalte vermelho translúcido sobre guilloché sunburst, realçado por paillons segmentados e centrado por estrela turca e motivo de lua crescente, lunetas com esmalte champlevé azul opaco e turquesa intercalado por esmalte flinqué vermelho e festões dourados, verso interno com marcas de controle francesas para 1798-1809, marca do fabricante de caixas PBT dentro de uma cartela em forma de losango para Pierre-Benjamin Tavernier, carimbado B para Breguet e numerado 1950
Corrente: acompanho por corrente Breguet de dois elos dourados e chave de catraca.
Diâmetro da caixa externa 64mm, caixa interna 52mm
Certificado original do Breguet no. 1950 de 1808 @Sothebys
Para mais informações visite o sitio da Sothebys aqui.
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