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Mudança da Hora: uma história entre o tempo, a luz e os relógios

Foto do escritor: Nuno MargalhaNuno Margalha


Hoje em dia, consideramos como certa a alteração da hora no último domingo de Março e no último domingo de Outubro. Esta prática, que se tornou uma norma comum em toda a União Europeia, nem sempre foi consensual ou linear. A mudança da hora tem raízes históricas profundas e está intimamente ligada à evolução da medição do tempo, à relojoaria e aos ritmos sociais e económicos das últimas gerações.


Antes da invenção dos relógios mecânicos, o tempo era medido de forma bastante mais orgânica. O Sol era o principal regulador do quotidiano. Os dias começavam com o nascer do sol, e as horas eram calculadas com base na luz solar disponível. Na Babilónia, por exemplo, contavam-se doze horas entre o nascer e o pôr-do-sol, o que significava que a duração de cada hora variava ao longo do ano. Mais tarde, adoptou-se como referência o meio-dia solar — o momento em que o Sol atinge o ponto mais alto no céu. A partir desse ponto, dividia-se o dia em duas metades: doze horas para trás, doze para diante. Ainda assim, estas “horas” permaneciam maleáveis, ao sabor das estações.


Relógio decimal francês da época da Revolução Francesa. O mostrador grande apresenta as dez horas do dia decimal em algarismos árabes, enquanto o mostrador pequeno indica os dois períodos de 12 horas do dia de 24 horas convencional, em numeração romana.
Relógio decimal francês da época da Revolução Francesa. O mostrador grande apresenta as dez horas do dia decimal em algarismos árabes, enquanto o mostrador pequeno indica os dois períodos de 12 horas do dia de 24 horas convencional, em numeração romana.

Com a Revolução Industrial e, sobretudo, com o advento do transporte ferroviário, tornou-se imperativo estabelecer uma hora exacta, uniforme e sincronizada entre localidades. A organização dos horários dos comboios e de outras actividades logísticas exigia uma coordenação precisa, o que levou à padronização dos fusos horários nacionais. Passou a ser necessário que todos os relógios estivessem certos entre si. Muitas freguesias sincronizavam-se com a hora oficial trazida desde a capital.

A ideia de alterar a hora para melhor aproveitar a luz solar surgiu muito antes de ser implementada.


O Relógio de Ohio, no Capitólio dos Estados Unidos, a ser adiantado por Charles Higgins, sargento de armas do Senado, no dia 31 de Março de 1918, aquando da primeira entrada em vigor do horário de verão no país.
O Relógio de Ohio, no Capitólio dos Estados Unidos, a ser adiantado por Charles Higgins, sargento de armas do Senado, no dia 31 de Março de 1918, aquando da primeira entrada em vigor do horário de verão no país.

Em 1784, Benjamin Franklin, então a residir em Paris, publicou um ensaio sobre a poupança da luz solar onde sugeria mudar os horários das actividades humanas conforme as estações, para evitar o desperdício de velas. Em Espanha, a cidade de Cádis implementou uma medida semelhante já em 1810, alterou os horários dos serviços públicos entre Maio e Setembro. Em 1895, o neozelandês George Hudson propôs um desfasamento oficial de duas horas.



Contudo, foi apenas durante a Primeira Guerra Mundial que a mudança da hora foi efectivamente adoptada por motivos práticos.


A Alemanha e o Império Austro-Húngaro foram os primeiros a implementar oficialmente a mudança da hora, a 30 de Abril de 1916, procuraram assim reduzir o consumo energético.



Portugal seguiu o exemplo pouco depois, com a primeira mudança de hora decretada a 17 de Junho de 1916, durante o governo de António José de Almeida (então ministro do Interior).


A regra estabelecida determinava que a alteração se desse a partir de 1 de Março, e assim se fez entre 1917 e 1921. Após diversas interrupções nos anos seguintes, só em 1926, durante o governo de António Maria da Silva, se retomou a prática de forma mais sistemática, ainda que com períodos de suspensão, como em 1930 e 1933.


Durante o Estado Novo, sobretudo nos anos da Segunda Guerra Mundial, a mudança da hora tornou-se mais regular, e em 1949 começou-se a aplicar uma fórmula de fácil memorização: início da hora de Verão no primeiro domingo de Abril às 2h00 da manhã, terminando no primeiro domingo de Outubro às 3h00. Este sistema vigorou até 1966. A partir de então, e até 1976, deixou-se de mudar a hora.


Após o 25 de Abril de 1974, que marcou o fim da ditadura e o regresso da democracia em Portugal, muitas medidas administrativas e políticas foram revistas — e uma delas foi precisamente a retoma da mudança da hora. A prática tinha sido suspensa durante alguns anos, e só voltou a ser implementada em 1976, já em plena reorganização do país. O contexto era semelhante ao de outras épocas: poupança energética e harmonização com os restantes países europeus, que entretanto já tinham retomado o horário de Verão.


Durante vinte anos, Portugal adoptou regras próprias para o horário de Verão e Inverno, geralmente com início no primeiro domingo de Abril e fim no final de Setembro. Em 1992, o governo de Aníbal Cavaco Silva decidiu alinhar a hora portuguesa com a da Europa Central, abolindo temporariamente a hora de Inverno. A experiência durou quatro anos e teve consequências controversas, como o aumento de acidentes rodoviários e perturbações no ritmo de vida. A medida viria a ser revertida em 1996 pelo governo de António Guterres.


Relógio atómico do Observatório Astronómico de Lisboa de 1972 - Patek Philippe
Relógio atómico do Observatório Astronómico de Lisboa de 1972 - Patek Philippe

Desde então, Portugal segue a directiva europeia que uniformizou a mudança da hora em todos os Estados-membros: à 1h00 da madrugada do último domingo de Março, os relógios são adiantados uma hora (hora de Verão); à 2h00 do último domingo de Outubro, atrasam-se uma hora (hora de Inverno).


A próxima mudança da hora ocorrerá na madrugada de 30 de Março de 2025.

Os relógios deverão ser adiantados uma hora: à 1h00, passarão a marcar 2h00.



A alteração da hora continua a ser um tema debatido. Os defensores apontam vantagens como o aproveitamento da luz natural ao fim do dia e a potencial poupança energética. Já os críticos salientam os efeitos negativos no sono, no bem-estar e na produtividade. O Parlamento Europeu chegou a aprovar o fim da mudança da hora, mas os países membros ainda não se entenderam sobre qual fuso adoptar definitivamente.


Na relojoaria, esta alteração representa um momento simbólico. Os relógios digitais e electrónicos podem ajustar-se automaticamente por sinal de rádio (como o DCF77), GPS ou ligação à internet. Porém, nos relógios mecânicos — especialmente os de pulso e os de torre — o ajuste continua a ser feito manualmente.


Aula de relojoaria grossa IPR
Aula de relojoaria grossa IPR
Este gesto, para muitos entusiastas, é um pequeno ritual, um reencontro com o tempo e com a tradição.

Assim, entre luz, sombras e engrenagens, a mudança da hora é também um espelho da nossa relação com o tempo. É um hábito que atravessa séculos, guerras, regimes e tecnologias, e que continua a marcar — literalmente — os nossos dias.



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