
Hoje em dia, consideramos como certa a alteração da hora no último domingo de Março e no último domingo de Outubro. Esta prática, que se tornou uma norma comum em toda a União Europeia, nem sempre foi consensual ou linear. A mudança da hora tem raízes históricas profundas e está intimamente ligada à evolução da medição do tempo, à relojoaria e aos ritmos sociais e económicos das últimas gerações.
Antes da invenção dos relógios mecânicos, o tempo era medido de forma bastante mais orgânica. O Sol era o principal regulador do quotidiano. Os dias começavam com o nascer do sol, e as horas eram calculadas com base na luz solar disponível. Na Babilónia, por exemplo, contavam-se doze horas entre o nascer e o pôr-do-sol, o que significava que a duração de cada hora variava ao longo do ano. Mais tarde, adoptou-se como referência o meio-dia solar — o momento em que o Sol atinge o ponto mais alto no céu. A partir desse ponto, dividia-se o dia em duas metades: doze horas para trás, doze para diante. Ainda assim, estas “horas” permaneciam maleáveis, ao sabor das estações.

Com a Revolução Industrial e, sobretudo, com o advento do transporte ferroviário, tornou-se imperativo estabelecer uma hora exacta, uniforme e sincronizada entre localidades. A organização dos horários dos comboios e de outras actividades logísticas exigia uma coordenação precisa, o que levou à padronização dos fusos horários nacionais. Passou a ser necessário que todos os relógios estivessem certos entre si. Muitas freguesias sincronizavam-se com a hora oficial trazida desde a capital.
A ideia de alterar a hora para melhor aproveitar a luz solar surgiu muito antes de ser implementada.

Em 1784, Benjamin Franklin, então a residir em Paris, publicou um ensaio sobre a poupança da luz solar onde sugeria mudar os horários das actividades humanas conforme as estações, para evitar o desperdício de velas. Em Espanha, a cidade de Cádis implementou uma medida semelhante já em 1810, alterou os horários dos serviços públicos entre Maio e Setembro. Em 1895, o neozelandês George Hudson propôs um desfasamento oficial de duas horas.
Contudo, foi apenas durante a Primeira Guerra Mundial que a mudança da hora foi efectivamente adoptada por motivos práticos.
A Alemanha e o Império Austro-Húngaro foram os primeiros a implementar oficialmente a mudança da hora, a 30 de Abril de 1916, procuraram assim reduzir o consumo energético.
Portugal seguiu o exemplo pouco depois, com a primeira mudança de hora decretada a 17 de Junho de 1916, durante o governo de António José de Almeida (então ministro do Interior).
A regra estabelecida determinava que a alteração se desse a partir de 1 de Março, e assim se fez entre 1917 e 1921. Após diversas interrupções nos anos seguintes, só em 1926, durante o governo de António Maria da Silva, se retomou a prática de forma mais sistemática, ainda que com períodos de suspensão, como em 1930 e 1933.
Durante o Estado Novo, sobretudo nos anos da Segunda Guerra Mundial, a mudança da hora tornou-se mais regular, e em 1949 começou-se a aplicar uma fórmula de fácil memorização: início da hora de Verão no primeiro domingo de Abril às 2h00 da manhã, terminando no primeiro domingo de Outubro às 3h00. Este sistema vigorou até 1966. A partir de então, e até 1976, deixou-se de mudar a hora.
Após o 25 de Abril de 1974, que marcou o fim da ditadura e o regresso da democracia em Portugal, muitas medidas administrativas e políticas foram revistas — e uma delas foi precisamente a retoma da mudança da hora. A prática tinha sido suspensa durante alguns anos, e só voltou a ser implementada em 1976, já em plena reorganização do país. O contexto era semelhante ao de outras épocas: poupança energética e harmonização com os restantes países europeus, que entretanto já tinham retomado o horário de Verão.
Durante vinte anos, Portugal adoptou regras próprias para o horário de Verão e Inverno, geralmente com início no primeiro domingo de Abril e fim no final de Setembro. Em 1992, o governo de Aníbal Cavaco Silva decidiu alinhar a hora portuguesa com a da Europa Central, abolindo temporariamente a hora de Inverno. A experiência durou quatro anos e teve consequências controversas, como o aumento de acidentes rodoviários e perturbações no ritmo de vida. A medida viria a ser revertida em 1996 pelo governo de António Guterres.

Desde então, Portugal segue a directiva europeia que uniformizou a mudança da hora em todos os Estados-membros: à 1h00 da madrugada do último domingo de Março, os relógios são adiantados uma hora (hora de Verão); à 2h00 do último domingo de Outubro, atrasam-se uma hora (hora de Inverno).
A próxima mudança da hora ocorrerá na madrugada de 30 de Março de 2025.
Os relógios deverão ser adiantados uma hora: à 1h00, passarão a marcar 2h00.

A alteração da hora continua a ser um tema debatido. Os defensores apontam vantagens como o aproveitamento da luz natural ao fim do dia e a potencial poupança energética. Já os críticos salientam os efeitos negativos no sono, no bem-estar e na produtividade. O Parlamento Europeu chegou a aprovar o fim da mudança da hora, mas os países membros ainda não se entenderam sobre qual fuso adoptar definitivamente.
Na relojoaria, esta alteração representa um momento simbólico. Os relógios digitais e electrónicos podem ajustar-se automaticamente por sinal de rádio (como o DCF77), GPS ou ligação à internet. Porém, nos relógios mecânicos — especialmente os de pulso e os de torre — o ajuste continua a ser feito manualmente.

Este gesto, para muitos entusiastas, é um pequeno ritual, um reencontro com o tempo e com a tradição.
Assim, entre luz, sombras e engrenagens, a mudança da hora é também um espelho da nossa relação com o tempo. É um hábito que atravessa séculos, guerras, regimes e tecnologias, e que continua a marcar — literalmente — os nossos dias.
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