Terminar uma colecção é, sem dúvida, o maior receio de qualquer coleccionador. Existem diversas formas de concluir uma colecção, sendo a venda dos relógios possivelmente a pior e a sua passagem aos descendentes a melhor. Pode também encerrar-se com a aquisição da peça final, ou com a criação de um museu. O que todos sabemos é que, por mais perturbador que seja, o seu fim é certo.
Contudo, tal como na Lei de Lavoisier, em que nada se perde e tudo se transforma, uma colecção pode encontrar novas formas de existência e renovação, perpetuando-se de maneiras inesperadas.
COMPLETAR UMA COLECÇÃO
Um coleccionador da linha Compax da Universal Genève, por exemplo, sabe que enfrenta um percurso árduo, bem como sabe que há sempre um fim à vista para esse caminho. A sua colecção conclui-se quando atinge o seu objectivo final. É sempre possível substituir relógios em pior estado por outros em melhor estado, mas ao alcançar o seu objectivo, pode afirmar-se com segurança que a colecção está completa. Nesta situação, atinge-se um fim através da realização dos objectivos. Uma colecção concluída, como esta, pode ser preservada na família ou até num museu, sobrevivendo assim ao seu coleccionador.
No momento da compra do seu primeiro Compax, o coleccionador pode ter ponderado sobre os possíveis desfechos para o final da sua futura colecção. Esses pensamentos podem mesmo ter influenciado a decisão de iniciar a colecção. O coleccionador pode ter considerado a possibilidade de deixar um bom legado aos seus filhos ou de deixar uma forma de ser lembrado, associada ao seu maior prazer. Pode também, simplesmente, ter pensado que o grande objectivo da sua colecção seria a procura de novos relógios, mesmo que repetidos, e que esse seria o único fim da sua colecção. Como se se tratasse de um caminho rumo a um horizonte inalcançável.
COLECÇÕES EM METAMORFOSE
Uma colecção com a capacidade de se regenerar ganha ares de eternidade. Vender os relógios em pior estado e substituí-los por outros em melhor estado pode ser uma tarefa aparentemente interminável. Imaginemos um coleccionador que apenas reúne na sua colecção as versões mais recentes da linha desportiva da Rolex. Sempre que surge uma nova versão, vende a anterior. Se tal existisse, esta seria uma colecção bastante dinâmica. A interrupção deste hábito de substituição de versões antigas por versões recentes criaria uma potencial colecção de relógios vintage relativos a um período muito específico. Neste caso, o fim de uma colecção de relógios recentes transforma-se, com o tempo, numa outra de relógios vintage. Estamos perante uma regeneração de colecções. Por vezes, as colecções são como organismos vivos que se transformam e recriam.
COLECÇÕES SEM COLECCIONADOR
Muitas colecções sobrevivem ao seu coleccionador e tornam-se as narradoras da sua história. É possível encontrar colecções de relógios em vários museus dedicados exclusivamente à relojoaria, como o Museu do Relógio, ou com a relojoaria como parte do acervo, como o Museu Medeiros e Almeida. Nestes casos, é possível discernir a linha condutora da colecção, bem como o estilo e o estado dos relógios. Estes aspectos, entre outros, permitem-nos compreender a história do coleccionador. Assim, as colecções podem sobreviver aos seus coleccionadores e relatar a sua história. Continuam a ser colecções vivas, apenas congeladas no tempo, sem capacidade de renovação ou crescimento. Por vezes, verifica-se o ressuscitar de colecções doadas a museus, bastando que os conservadores se dediquem a adicionar novas peças, tornando-se eles próprios os novos coleccionadores. É claro que essa será sempre uma tarefa delicada que implica um conhecimento profundo do coleccionador original. O fim de uma colecção não precisa, portanto, de ser permanente. Em menor escala, os filhos dos coleccionadores podem continuar a incrementar a colecção. Também é possível adquirir uma colecção de terceiros e dar-lhe continuidade. Uma vez criadas, as colecções são organismos com vitalidade suficiente para se adaptarem a novos membros.
A VENDA
O pior pesadelo para um coleccionador activo é a venda indesejada da sua colecção. Numa situação como esta só nos resta pensar que o caminho foi suficiente para justificar objectivo. Existem várias maneiras de desfazer uma colecção, vendendo os relógios individualmente. Uma das opções mais comuns é o leilão de todas as peças. Embora este desfecho possa ser desagradável, há algum conforto no facto de os leilões serem frequentemente frequentados por entusiastas de relojoaria, que encontram assim uma oportunidade para obter relógios difíceis de encontrar.
Os leilões são um mundo cada vez mais procurado. Funcionam quase como o futebol: têm um árbitro que usa um martelo em vez de um apito, cada participante tem um número, pode-se ganhar ou perder, e até têm épocas específicas.
Para alguns tipos de colecções se manterem em boa forma, é recomendável que os seus coleccionadores pratiquem este "desporto". Claro que existem também outras maneiras de vender relógios, mas todas elas menos competitivas. O fim de uma colecção pode cumprir vários propósitos; enfrentar dificuldades económicas é um deles. É também possível vender toda uma colecção para começar outra completamente diferente. Afinal, os coleccionadores são organismos vivos em constante evolução.
É, portanto, natural que nem sempre a colecção e o coleccionador sigam o mesmo ritmo e a mesma direcção de crescimento.
A LEI DE LAVOISIER E AS POMBINHAS DA CATRINA
Se os relógios são como as pombinhas da Catrina, que andam de mão em mão, a única forma de iniciar uma colecção é aprender a fechar a mão no momento certo, quando o relógio certo lá chega. Os coleccionadores sabem bem que os relógios fluem, movem-se entre coleccionadores, e sabem também, que a única forma de criar uma colecção é detê-los é travar o seu movimento. Qualquer coleccionador sabe que os relógios têm uma tendência natural para circularem entre proprietários, e que uma colecção só ocorre quando conseguimos reter um conjunto de relógios. Uma colecção é a interrupção temporária do movimento natural dos relógios entre donos. O seu fim é sempre inelutável, contudo, também sabemos que, na relojoaria, nada se perde, tudo se transforma.
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