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O Relógio Oferecido por São Francisco Xavier ao Japonês Ōtomo Sōrin em 1551

Foto do escritor: Nuno MargalhaNuno Margalha

Ōtomo Sōrin
Ōtomo Sōrin

A história do encontro entre o Ocidente e o Japão no século XVI está repleta de episódios fascinantes, nos quais objectos aparentemente mundanos ganham significados extraordinários. Um desses momentos memoráveis ocorreu em 1551, quando o missionário jesuíta São Francisco Xavier ofereceu ao poderoso daimiô Ōtomo Sōrin um relógio mecânico europeu — acto carregado de simbolismo, estratégia e inovação tecnológica.




O Contexto


Em 1543, os portugueses chegaram à ilha de Tanegashima, e introduziram as primeiras armas de fogo e objectos europeus no arquipélago nipónico. Este evento está documentado em diversas fontes jesuítas e em crónicas japonesas, tendo sido estudado por Charles R. Boxer em The Christian Century in Japan (1951) e por Jorge Santos Alves em Nagasáqui, 1550–1650.


Poucos anos depois, em 1549, São Francisco Xavier desembarcava em Kagoshima com o objectivo de evangelizar o Japão. A sua missão inicial decorre com dificuldade, mas rapidamente os missionários percebem que, para serem aceites, precisariam de conquistar a simpatia dos daimiôs (大名,) — senhores feudais locais.



Ōtomo Sōrin: Daimiô Cristão e Senhor de Funai


Ōtomo Sōrin, senhor da província de Bungo, é um dos primeiros daimiôs a acolher os missionários cristãos. É também uma figura estudada por Michael Cooper em They Came to Japan (1965), onde se destaca o seu papel como protector das missões. Sabe-se que manteve um contacto estreito com os jesuítas e, mais tarde, se converteria ao cristianismo com o nome de Dom Francisco.


Foi neste contexto que, em 1551, Francisco Xavier lhe ofereceu um relógio mecânico europeu. A existência deste episódio é referida na obra de Luís Fróis, História de Japam (manuscrito do séc. XVI), que narra com detalhe os primeiros anos da missão no arquipélago. Também as Cartas Ânuas da Companhia de Jesus (nomeadamente a de 1552) aludem ao impacto da oferta.



Imagem gerada por IA
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O Relógio como Objecto de Maravilha


Na Europa do século XVI, relógios mecânicos eram objectos de alto prestígio, produzidos por mestres relojoeiros em cidades como Augsburgo ou Nuremberga. Eram, segundo Cooper (1965, p. 88), “maravilhas tecnológicas” e frequentemente usados como presentes diplomáticos.


O relato de Luís Fróis descreve o espanto do daimiô perante o funcionamento automático do mecanismo, e a forma como os japoneses se referiam ao relógio como um instrumento “divino”. Este fascínio pelo funcionamento autónomo dos mecanismos ocidentais é tema recorrente nas descrições dos jesuítas.



Um Gesto Estratégico


A oferta de um relógio não foi apenas um acto de boa vontade: tratou-se de uma estratégia diplomática calculada. Como explica Charles Boxer (1951, p. 95), os jesuítas rapidamente entenderam que objectos ocidentais — sobretudo instrumentos de precisão — podiam facilitar o acesso às cortes feudais.


A oferta surtiu efeito: Ōtomo Sōrin autorizou a construção de igrejas e a livre pregação dos missionários na sua província. Décadas mais tarde, converter-se-ia oficialmente ao cristianismo, sendo uma figura-chave na chamada "Cristandade do Japão".



Legado


Embora o relógio oferecido por Xavier não tenha sobrevivido, o seu impacto simbólico é inegável. Como sublinha Jorge Santos Alves (1994, p. 112), este gesto representa o início da longa relação entre tecnologia europeia e curiosidade japonesa, particularmente no campo da relojoaria.


Nos anos que se seguiram, artesãos japoneses começaram a construir os seus próprios relógios mecânicos, os wadokei, adaptando o sistema europeu às horas tradicionais nipónicas. Esta transição é documentada em estudos sobre história da tecnologia japonesa, como os publicados pelo Seiko Museum em Tóquio.


Fontes utilizadas:


  1. Fróis, Luís. História de Japam (manuscrito, c. 1583–1597).

  2. Boxer, Charles R. The Christian Century in Japan 1549–1650. University of California Press, 1951.

  3. Cooper, Michael. They Came to Japan: An Anthology of European Reports on Japan, 1543–1640. University of California Press, 1965.

  4. Alves, Jorge Santos. Nagasáqui, 1550–1650: O Tempo Português no Japão. Lisboa: Vega, 1994.

  5. Companhia de Jesus. Cartas Ânuas do Japão e da China (século XVI, várias edições críticas).

  6. Seiko Museum Ginza – Documentação sobre os wadokei e a influência ocidental na relojoaria japonesa.

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