Hoje é sábado, para mim, um dia favorável à criação, um dos momentos mais criativos que tenho é enquanto estou de olhos fechados deitado a imaginar como resolver os desafios inerentes às minhas invenções. É comum para mim, depois de encontrar a solução começar a extrapolar ramificações, sendo que uma das mais comuns é como automatizar com motores eléctricos os mecanismos.
Desta vez foi diferente, divagar não é algo natural num cérebro que regularmente pensa em soluções muito especificas, mas essencial no processo de criação e necessário. E comecei a pensar em porque nós como seres humanos que evoluíram para as soluções mais optimizadas possíveis, ainda temos uma ligação romântica com uma mecânica ultrapassada do ponto de vista da tecnologia.
O QUE SE DÁ E O QUE SE RECEBE
Existe na alta relojoaria uma atracção por soluções puramente mecânicas, um equilíbrio, uma ligação entre um relógio mecânico e o ser humano. Como se fosse uma realidade em que o primeiro não funciona sem o segundo, uma ligação simbiótica entre máquina e pessoa. Qualquer movimento mecânico necessita de energia, uma lei bem estabelecida no universo, e esta não é gratuita não surge do acaso, é necessário entrar em débito energético para que os nossos relógios mecânicos nos ofereçam em troca a contagem do tempo. Essa oferta da nossa energia a um objecto frio que ganha movimento e se torna quente no nosso pulso tem algo subconsciente de ligação afectiva que vai para além do simples facto de ver as horas.
O MELHOR CAMINHO
Um dos desafios mais interessantes de criar algo puramente mecânico está em encontrar soluções para que a energia oferecida seja feita de forma ergonómica e eficiente. Nas minhas criações um dos pontos em que dedico mais tempo é exactamente desenvolver os mecanismos para que o trabalho realizado seja prazeroso e agradável aos sentidos. É um processo criativo que muitas vezes não é obvio e desafiante mas extremamente recompensante. O caminho mais fácil seria permitir que a electricidade fizesse todo o “nosso” trabalho, o que não tem qualquer inconveniente tirando o facto de deixar uma sensação de batota e preguiça. Desta forma a dualidade é rompida, como numa relação afectiva que fica fria e distante. O objecto ganha uma vida ilógica, em que se move sem a ligação física e táctil, o som que produz agora não é uma resposta directa ao carinho que lhe demos.
Quando crio um novo conceito, começo sempre por torna-lo apenas mecânico, quero sentir e controlar o que tenho nas mãos, só assim me consigo conectar, se eu não sentir as coisas nas mãos tenho dificuldades em criar, imaginar solucionar. É uma ligação primitiva entre os receptores eléctricos das mãos e o objecto, algo que provavelmente se irá perder com as próximas gerações devido à hegemonia do mundo digital.
A ESFERA
Esta esfera que aqui vêm não é excepção. Seria mais fácil colocar um motor eléctrico a dar-lhe uma rotação precisa para imitar o movimento do nosso pulso, e é algo que possivelmente irei fazer no futuro, não tenho nada contra esse atalho. Mas, a pensar naqueles que como eu tiram prazer de ter um expositor mecânico que depende de nós, da nossa atenção, do nosso toque, para revelar um relógio que por sua vez (se for mecânico) também vai precisar da sua própria quota de atenção. Criei um novo conceito baseado no fascinante movimento de um “gyrotourbillon”, com algumas alterações técnicas.
Numa próxima vez falarei de forma mais técnica sobre o que aqui se vê mas por hoje já vai longo o discurso e deixo então ficar apenas um “teaser” do que aí vem.
Um abraço para todos,
Pedro
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